Na última semana, circulou um vídeo nas redes, de uma influenciadora utilizando um aparelho que prometia ser inovador ao transformar qualquer cerveja em garrafa em chope. Veja aqui
O vídeo em questão, recebeu muitos comentários de pessoas do meio cervejeiro, alertando sobre as informações falsas que o produto promete. Veja abaixo:

O texto da publicação dizia: “Esse gadget é uma ‘chopeira portátil’!! Ativa o fermento da cerveja, refinando o sabor e a textura!”
Entrei no site da empresa que comercializa o produto para obter mais informações e a descrição do produto é a seguinte:
“A chopeira portátil possui um design expansivo que se encaixa rapidamente no bocal e é compatível com mais de 90% das garrafas vendidas no mercado brasileiro. Você só precisa abrir a cerveja, posicionar a chopeira, pressionar o botão e em apenas 1 segundo uma espuma densa, como as ricas em lúpulo, começa a cobrir sua cerveja. (…) Após 20 segundos, a chopeira desliga automaticamente enquanto você descobre sabores além do malte, de forma conveniente, rápida e prazerosa. (…)
Através de uma frequência ultrassônica de vibração de 40000/s, a chopeira produz a espuma que previne a oxidação da bebida quando entra em contato com o ar, além de acentuar as bolhas de gás e ativar o fermento, deixando a cerveja menos amarga e mais refrescante.”
Chopp, chope ou cerveja?
Bom, vamos ao primeiro ponto: diferenciação de cerveja e chope só existe na legislação brasileira, como podemos ver no quinto parágrafo da Instrução Normativa nº65, de 10 de Dezembro de 2019:
§ 5º A expressão “chopp” ou “chope” é permitida apenas para a cerveja que não seja submetida a processo de pasteurização, tampouco a outros tratamentos térmicos similares ou equivalentes.
Isso quer dizer que aqui no Brasil, e somente aqui fazemos essa distinção tanto na lei, quanto no comportamento do mercado, que trata como produtos completamente diferentes, por vezes até no valor de venda.
Essa é uma pergunta que sempre me fazem quando sabem que trabalho com cerveja: Qual a diferença entre chop/chopp e cerveja? Eu sempre respondo que nenhuma, que é o mesmo processo, mesmos ingredientes e que o que vai mudar é a pasteurização, que vai submeter a cerveja a altas temperaturas a fim de evitar microrganismos que poderiam contaminar a bebida e com isso aumentar o tempo de vida de prateleira do produto.
Que fique claro, que possíveis contaminantes na cerveja, são microrganismos da própria bebida (já que é feita com leveduras) que precisam ser controlados para atingir o aspecto sensorial característico desejado de acordo com a especificação do estilo/produto.
A pasteurização faz esse controle, “matando” as leveduras que poderiam tentar sobreviver e continuar se reproduzindo, alterando a cerveja com o tempo.
Por isso que dizemos que uma cerveja não pasteurizada é uma cerveja viva, pois a levedura, ainda que pouco, ainda está trabalhando e precisa de cuidados especiais, como manter o recipiente em pé, conservar em local fresco, seco e ao abrigo do sol.
Mas por que eu acho chope melhor, mais gostoso? Porque é a cerveja fresca, recém saída do tanque de fermentação, prontinha pra consumo. As características sensoriais estão mais claras, como qualquer outro produto fresco. E como qualquer outro produto, vai perdendo aromas e sabores com o passar do tempo. Experimente comer um pedaço de bolo saindo do forno, e depois o mesmo bolo, uma semana depois. Outra coisa, não é mesmo?
Por não ser pasteurizado, o chope precisa ser consumido em menos tempo que cervejas pasteurizadas, precisando de extra cuidado e sanitização nas linha de chopeira, torneiras e afins.
E por que tanto alarde sobre a publi do produto que promete chope na palma da mão?
Nós do meio cervejeiro, lutamos por um mercado mais informado, do ponto de vista de profissional e consumidor e esse tipo de divulgação, acaba sendo uma grande desinformação para o público que é sedento por novidade e acaba caindo nas promessas de um chope ultrassônico.
Que fique claro aqui: não há como ativar as leveduras através de vibrações! As leveduras são fungos unicelulares que se alimentam e reproduzem através de um meio favorável, que pode ser o mosto da cerveja, que tem açúcares provenientes do malte e cereais utilizados na receita.
Fazendo cerveja há mais de 7 anos, sempre soube que a levedura é um negocinho enjoado, sensível. “Não estresse a levedura”, ela precisa do seu espaço, temperatura e meio confortável, senão ela não trabalha. (Não vou julgar, também quero o mesmo.)
O outro lado da história
Para entender melhor e abrir um canal de conversa, procurei a empresa que contratou a influenciadora para divulgar a famosa chopeira.
Conversei com Rafael Chemin e ele se mostrou aberto ao debate e a entender mais sobre o assunto.
Ao indagá-lo sobre a repercussão, falando que as informações não estavam corretas, Rafael me respondeu:
“Entendo! Realmente pode gerar uma polêmica, com certeza não foi o objetivo de passar uma informação errada, acho que pode ser uma oportunidade de educar a audiência, conte conosco para isso. Podemos fazer a correção publicamente inclusive”
Para entender melhor, perguntei se o produto gerava frio para deixar a cerveja mais gelada.
“Não altera a temperatura. (…) De forma alguma ela transforma quimicamente em chopp seria absurdo afirmar isso. Ela traz uma experiência”.
Bom, vamos aguardar se vai ocorrer alguma correção e conteúdo informativo.
Realidade
E o que a dita chopeira portátil faz? Espuma!
Não posso dizer com propriedade, pois não utilizei e nem vi de perto. Mas em resumo, ela produz espuma. Ela não vai mudar sabor e nem aroma da cerveja. Ela pode mudar a textura e diminuir a perda dos compostos voláteis da cerveja (pelo menos uma coisa eles acertaram na descrição do produto). Porque é isso que a espuma faz, protege sua cerveja, ajudando a manter a temperatura por mais tempo.
Olha aí, tem empresa vendendo produto de mais de R$300 reais pra fazer espuma na cerveja e você ainda chega no bar e pede sem colarinho.